Por Evandro Brandão Barbosa
Letrada é a pessoa que conhece obras de literatura, possui conhecimentos de história universal e de filosofia; todos esses conhecimentos podem ser desenvolvidos através da escola ou não. Essa palavra quase não é utilizada atualmente, embora quem tenha mais de quarenta anos ainda saiba defini-la muito bem; é só perguntar. Letrado: versado em Letras, erudito.
O assunto aqui é LETRAMENTO; não tem nada a ver com ser ou não ser letrado. Portanto, todo o conteúdo escrito aqui se limita ao título do texto: Letramento e Educação Sustentável.
O Letramento é a capacidade que uma pessoa tem de realizar práticas sociais no interior de uma sociedade de cultura escrita; o que inclui a apropriação da aprendizagem da leitura e da escrita e essa apropriação apresenta diferentes níveis. Isso significa que cada pessoa possui um nível de letramento; não existe pessoa sem letramento, porque o nível de letramento varia de uma pessoa para outra. O letramento tem início na vida das pessoas que vivem em uma sociedade de cultura escrita, mas não tem fim. Somente a morte é capaz de por um ponto final no nível de letramento das pessoas.
Logo, se está claro o que é o Letramento, torna-se necessário esclarecer o que são práticas sociais. São atos realizados com o objetivo de satisfazer necessidades individuais e/ou coletivas no interior de uma sociedade; e se esta sociedade for de cultura escrita, é possível observar o nível de letramento das pessoas enquanto elas desenvolvem suas práticas sociais com baixa, média ou alta desenvoltura. Um exemplo de uma prática social é quando uma pessoa dirige-se a um banco para sacar uma quantia em dinheiro; quando se utiliza de um transporte coletivo para deslocar-se de um local a outro; quando leva um envelope contendo uma carta ao correio para que um destinatário a receba em outro município, outro estado ou mesmo outro país. Também é uma prática social ir ao Cartório e solicitar a emissão do registro de nascimento de um filho; olhar o mapa da cidade e identificar a sua localização atual e compreender qual a direção a seguir para atingir outro ponto desejado.
Assim, diante de todos esses exemplos de práticas sociais, é fácil perceber que algumas delas dependem de elevado grau de apropriação de leitura e escrita, porém outras não carecem de níveis altos de apropriação de leitura de escrita. Com essa constatação fica claro que o nível de letramento de cada pessoa existe independentemente de ela ter muita ou pouca capacidade de leitura e escrita. Toda pessoa apresenta um determinado nível de letramento. Não cabe também a ideia de que aquele que possui elevada habilidade de leitura e escrita tem sempre nível de letramento superior àquele da pessoa que possui nível baixo de habilidade de leitura e de escrita. Embora o conceito de letramento somente se aplique no interior de uma sociedade de cultura escrita, não significa que as pessoas têm que ter frequentado todos os níveis educacionais para que seja mensurado o seu nível de letramento.
O grau ou nível de letramento das pessoas pode ser mensurado ao observarem-se como duas pessoas realizam uma mesma prática social, porque o esforço que cada um utiliza para satisfazer uma necessidade social ou coletiva através de uma prática social é que revela o nível de letramento de cada pessoa. Por exemplo, uma pessoa que precisa da ajuda de um funcionário de um banco para realizar operações em um caixa eletrônico possui um nível de letramento mais baixo do que outra que utiliza um caixa eletrônico de um banco para satisfazer suas necessidades sem utilizar a ajuda de outra pessoa. Por outro lado, uma pessoa que, diante de um mapa da cidade impresso e ilustrado de forma clara, não consegue orientar-se e localizar o bairro onde mora, possui um baixo grau de letramento para a utilização de mapas.
A leitura da obra da autora Magda Soares (2004) aumenta a riqueza cultural das pessoas interessadas em aprender mais sobre letramento. Ajuda também a compreender que o letramento se distingue do processo de alfabetização, pois este tem início e fim. Antes a pessoa não sabe ler, depois ela aprende quais são os códigos representados pelas letras do alfabeto; aprende também sobre os sons das letras e dos sons resultantes da combinação das letras para formar palavras, e, em seguida, a reunião das palavras formam frases, comunicam ideias. Finalmente, a pessoa lê e escreve; é considerada alfabetizada. Logo, a alfabetização tem início e fim. Já o letramento, não; este tem início, mas só termina com o fim da vida da pessoa. O letramento apresentará níveis diferentes ao longo da vida de cada um, sem nunca ser considerado um processo terminado, tendo em vista que as necessidades individuais e coletivas das pessoas são ilimitadas, então, muitas serão as práticas sociais a serem utilizadas pelas pessoas que vivem em sociedades de cultura escrita para atender tantas necessidades. E, sabendo-se que a desenvoltura de cada um para realizar tais práticas sociais é que revela o nível de letramento, esse processo é continuamente alterado, ora baixo, ora elevado, ora médio, ora baixo outra vez, e assim continuamente.
Apenas para não fugir do didatismo deste texto, convém revelar ainda o conceito atual de “alfabetizada”. “Alfabetizada é a pessoa que escreve e lê um bilhete simples naquele idioma que conhece” (IBGE). Esse conceito foi desenvolvido após o ano de 1940 no Brasil, depois de o país ter convivido durante muitas décadas com o conceito de que alfabetizada era uma pessoa que sabia assinar o seu próprio nome. Ao observar o conceito vigente de “alfabetizada”, percebe-se que a ideia de letramento está embutida no conceito, visto que escrever um bilhete é uma prática social no interior de uma cultura escrita.
Após todo esse cenário de explicitação do que seja letramento e a diferença entre letramento e alfabetizado, torna-se compreensível que no interior das sociedades de cultura oral, como eram as sociedades indígenas do Brasil antes da chegada dos colonizadores, não cabe a mensuração do nível de letramento dos indígenas. O letramento não pode ser objeto de estudo em uma sociedade de cultura oral. O letramento está intrinsecamente ligado à vida das pessoas que vivem em sociedade de cultura escrita. É um equívoco atribuir nível de letramento a indivíduos de uma sociedade de cultura oral. Porém, no caso das sociedades indígenas, por exemplo, já dominadas pelos colonizadores, portanto aculturadas, cujas práticas sociais passaram a ser realizadas no interior de uma sociedade de cultura escrita, essas sim podem ter os seus níveis de letramento mensurados, porque enquadram-se nos princípios da conceituação.
Uma pessoa que utiliza um ônibus para ir do bairro onde mora ao centro de uma cidade buscar os resultados do seu exame médico em um hospital e depois utiliza o ônibus para retornar ao bairro onde mora demonstra um nível de letramento. O que ela fez é considerada uma prática social e a sociedade onde ela vive possui cultura escrita.
Para concluir este texto, cuida-se agora da segunda parte do título: educação sustentável. Não se trata da sustentabilidade do planeta, aquela representada pelo uso racional dos recursos naturais para a produção de bens e serviços a serem utilizados por uma sociedade, de forma a não degradar o meio ambiente e garantir às gerações futuras as mesmas condições das gerações atuais, para continuarem produzindo e gerando desenvolvimento socioeconômico e elevação do nível de qualidade de vida das pessoas. A educação sustentável tratada aqui diz respeito à formação ética, moral, escolar e profissional de forma contínua, cujo objetivo é possibilitar aos indivíduos a apropriação dos conhecimentos e práticas capazes de serem utilizados para produzir bens e serviços voltados ao desenvolvimento socioeconômico. Essa apropriação e utilização de conhecimentos e práticas serão geradores de renda suficiente para satisfazer além das necessidades básicas (alimentação, habitação, educação, sexo, vestuário, saúde e transporte), outras necessidades como viajar, ter lazer, também as necessidades que ajudam a elevar a qualidade de vida das pessoas, a desenvolver a autoestima, a capacidade de criar e inovar para melhorar o mundo. Essa educação sustentável é assim designada porque tem a capacidade de manter ativa a capacidade de cada pessoa em prover os meios necessários à satisfação de suas necessidades individuais e coletivas. Essa educação é sustentável porque é dinâmica e contínua; sustenta indivíduo e sociedade, enquanto os atores envolvidos – governos, empresas, famílias e instituições -, cada um assume a sua responsabilidade social e age de forma ética, moral e real para que a existência do ser humano seja sustentável e cada pessoa eleve continuamente a sua qualidade de vida. Esse é o cenário pensado para a educação sustentável apresentada no interior deste texto.
E dessa forma, todas as pessoas que interligam as ideias de Letramento e Educação Sustentável, mesmo que nunca tenham ouvido falar ou nunca tenham lido nada a respeito dessas ideias, sabem que desde a mais tenra idade é preciso aprender a construir, porque a vida é um processo de cosntrução. Por isso, é necessário construir para depois usufruir. Nem sempre é aconselhável gozar e usufruir antes para construir depois. Essas pessoas sabem também que ter um filho antes dos 21 anos é um erro; ter um filho antes dos 19 anos é um pecado e ter um filho antes dos 15 anos é um crime. É claro que o juízo de valor sobre quando ter um filho varia de cabeça para cabeça, de cultura para cultura, de nível de renda para nível de renda, de sociedade para sociedade. Mas, que em qualquer um desses julgamentos, quem tenha o filho ou a filha, tenha também condições de dar-lhe carinho e amor pelo menos durante os primeiros seis anos de vida e também tenha as condições necessárias para desenvolver níveis elevados de letramento e de educação sustentável na vida desse filho ou dessa filha. E, desse modo, não tenha o filho ou a filha, para deixar aos cuidados do avô e da avó que envelhecem e adoecem mais rapidamente, em conseqüência do baixo nível de letramento e da educação insustentável de quem teve o filho porque preferiu primeiro o gozo antes de cuidar da construção.
Conclui-se, portanto, que Letramento e Educação Sustentável se complementam nas sociedades atuais. Ambos originam-se do uso da inteligência humana nas relações e interações sociais realizadas no interior da sociedade de cultura escrita, e desenvolvem-se através da realização de práticas sociais.
Daí, alguém pode pensar: – para ter um filho não há necessidade de ter Letramento e muito menos de Educação Sustentável!
Eu também concordo com essa desnecessidade. Eu não concordo é com a violência urbana; com as políticas públicas para assistir às famílias de baixa ou nenhuma renda; com o sofrimento das crianças nos hospitais públicos e com as condições precárias de sanitarismo, saúde e renda das pessoas que vivem nas periferias das grandes cidades brasileiras, como se o submundo fosse o destino daqueles que privilegiaram os instintos e o gozo, sem jamais terem observado que um pouco de racionalidade de vez em quando eleva a qualidade de vida.
Letramento e Educação Sustentável – esse foi o tema das palestras ouvidas pelos alunos dos cursos de Administração e de Educação a Distância do Centro Universitário Luterano de Manaus (CEULM/ULBRA); para setenta e um alunos no dia 22 de outubro e para cento e doze alunos no dia 06 de novembro de 2010.
REFERÊNCIAS
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2 ed., 8. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
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